Análise crítica e comparativa com os consumos alimentares - Balança Alimentar Portuguesa
Na publicação alusiva ao tema do PlanoNacional de Colheita de Amostras – PNCA – abordei um tópico onde detalhava
os resultados não conformes no PNCA 2012.
De seguida vou reproduzir novamente este tópico, inserido na
publicação supracitada, de modo a que seja mais fácil visualizar a análise
comparativa retirada sobre a correlação entre os resultados não conformes no
PNCA e os consumos alimentares dos portugueses, bem como a sua compreensão por
parte do leitor.
“RESULTADOS NÃO CONFORMES - PNCA 2012
No ano de 2012
foram colhidas e analisadas laboratorialmente 1782 amostras, em que 174
amostras apresentaram não conformidades, o que significa que cerca de 10% das amostras colhidas não estavam de
acordo com os critérios de segurança harmonizados em matéria de
aceitabilidade dos alimentos e/ou com os critérios inerentes à rotulagem ou
informação.
Dos vários
grupos de géneros alimentícios analisados, face ao número de amostras colhidas,
foi o grupo dos cereais que apresentou maior percentagem de não conformidades
(20%), seguido do grupo das bebidas alcoólicas (14%), grupo do pescado (13%),
grupo da carne (10%), grupo dos produtos lácteos (6%), grupo dos prontos para
consumo (6%), grupo dos óleos e gorduras (5%), grupo dos produtos hortícolas
(2%), grupo dos frutos secos e secados (2%) e alimentação vegetariana (2%).
Nota: Da
análise do Gráfico 1, o grupo das bebidas alcoólicas é o que apresenta o maior
número de não conformidades. No entanto, este grupo como não é considerado um
grupo de risco, não foi tido em conta na análise supramencionada, sendo o grupo
dos cereais, o grupo que apresenta maior percentagem de não conformidades a
seguir às bebidas, como indicado no gráfico seguinte.
Gráfico 1 - Tipo de não conformidades nos diferentes grupos de géneros alimentícios no PNCA 2012 |
1. Das 174 não
conformidades detetadas, 38% (66
amostras) correspondem a não conformidades relacionadas com rotulagem, 26%
(46 amostras) a não conformidades aos ensaios químicos, 22% (38 amostras) não
conformidades aos ensaios microbiológicos e 14% (24 amostras) a não
conformidades ao exame sensorial.
Gráfico 2 - Percentagem de perigos químicos encontrados no PNCA 2012 |
2.
Das não conformidades químicas detetadas,
50% dizem respeito à presença de edulcorantes (21 amostras de bolachas e 2
amostras de produtos de alimentação vegetariana), 39% correspondem ao não
cumprimento dos requisitos específicos (18 amostras de bebidas alcoólicas), 9%
das amostras apresentaram teores
superiores a nitratos (4 amostras de produtos hortícolas) e 2% das amostras
correspondem a um teor de aflatoxina que ultrapassava o limite máximo
estabelecido (1 amostra de frutos secos).
Gráfico 3 - Percentagem de perigos microbiológicos encontrados no PNCA 2012 |
3.
Das não conformidades microbiológicas detetadas, 57% das amostras apresentaram resultados positivos à Salmonella (4 amostras de produtos à
base de carne destinados a serem consumidos crus e 1 amostra de prontos
para consumo), 25% com Listeria
monocytogenes (4 amostras de produtos à base de carne destinados a serem
consumidos crus e 9 queijos) e 18% com E.
coli. (7 amostras de moluscos bivalves vivos).
4. De uma forma geral, em termos de grupos, conclui-se
que o grupo das carnes, dos lácteos e do
pescado são os que, em termos microbiológicos apresentam maior preocupação.
Os géneros alimentícios constantes destes grupos são dos mais consumidos, o
que faz com que os consumidores
estejam mais expostos aos perigos associados a estes grupos de alimentos
face a outros.”
Fig. 1 - Roda dos Alimentos vs Balança Alimentar Portuguesa 2003-2008 |
Fig. 2 - Roda dos Alimentos vs Balança Alimentar Portuguesa 2008-2012 |
Gráfico 4 - Evolução da percentagem de não conformidades detetadas por grupo no PNCA entre 2009 e 2012 |
ANÁLISE CRÍTICA
Da análise dos dados acima
referidos, o grupo dos cereais foi o
grupo de géneros alimentícios com mais não conformidades no ano de 2012
(20% - 33 amostras num total de 166 amostras colhidas neste grupo) (Gráfico 1)
e, correlacionando com os dados fornecidos pelas Balanças Alimentares (Figuras
1 e 2), o grupo dos cereais é o grupo
mais consumido pelos portugueses.
Portanto, à luz destes dois factos apresentados e sendo dados
importantes para uso de um Técnico de Saúde Ambiental, de acordo com as funções
que lhe estão atribuídas e descritas na primeira publicação, é importante que sejam reforçados os
controlos oficiais deste género alimentício no mercado, bem como a respetiva
avalização de riscos, de forma a prevenir potenciais problemas de saúde no
consumidor. Esta medida, segundo o Gráfico 4, é possível que tenha sido
tomada em consideração porque o nº de não conformidades detetadas no grupo dos
cereais aumentou até 2011, o que sugere que a ASAE aumentou o nº de colheitas
para análise. Em 2012, verificou-se um decréscimo do nº de não conformidades,
sendo um aspeto positivo pois pode significar que as medidas corretivas
propostas aos operadores económicos tenham sido postas em prática pelos mesmos.
Por outro lado, os cereais ao fazerem parte da alimentação do nosso
dia-a-dia e por constituírem uma importante fonte de hidratos de carbono, a
principal fonte de energia para o nosso organismo, é importante também desenvolver, no campo da educação para a
saúde, programas de sensibilização para a importância de uma alimentação
saudável, equilibrada e variada, abarcando vários grupos etários.
Apesar de, no meu âmbito de
estágio, não estar inserida no controlo oficial no grupo dos cereais, são
assuntos de igual importância como futura Técnica de Saúde Ambiental, em
conformidade com o que foi referido na
publicação referente às funções da minha área de formação académica.
Relativamente à evolução do tipo
de não conformidades detetadas ao longo dos últimos quatro anos no grupo dos
cereais, esta tem variado entre a falta de requisitos por não cumprir o
estipulado na legislação nacional, não conformidades químicas e não
conformidades relativas à rotulagem geral e nutricional.
- As não conformidades na rotulagem geral e nutricional foi um aspeto que sempre foi encontrado em amostras colhidas no grupo de cereais, tal como se pode verificar no Gráfico 5. Este tipo de não conformidades pode originar a indução em erro do consumidor, podendo até serem suscetíveis de colocar em risco a saúde do mesmo.
o No ano de 2009, tal como representado nos Gráficos 5 e 6, apenas foram detetadas 4 não conformidades (1 em bolachas e 3 em cereais de pequeno-almoço) relacionadas com diferenças entre o declarado no rótulo e o analisado, e por isso podem induzir em erro o consumidor, mas não são suscetíveis de criar perigo à saúde do consumidor.
o Em 2010, foi identificado numa 1 amostra de farinha (Gráfico 6) cujo rótulo tinha a menção “isento de glúten” mas ao ter sido analisado laboratorialmente este constituinte (glúten) estava presente no produto, o que pode representar um risco para a saúde dos consumidores que são intolerantes ao glúten.
o Em 2011, tal como representado nos Gráficos 5 e 6, foram encontradas 7 não conformidades, com 5 amostras de origem chinesa cuja rotulagem não se apresentava traduzida ou corretamente traduzida para a língua Portuguesa. As 2 amostras restantes não cumpriam com o disposto no Decreto-Lei nº 167/2004, no que respeita à informação nutricional presente na rotulagem.
o Em 2012, tal como representado nos Gráficos 5 e 6, das 12 não conformidades relativas à rotulagem, nas 10 amostras de bolachas e 2 de cereais de pequeno-almoço foram detetadas essencialmente pequenas incorreções ao nível da tradução das menções obrigatórias, essencialmente de produtos de origem chinesa.
- As não conformidades relativas à falta de requisitos por não cumprir o estipulado na legislação nacional foram detetadas em amostras de arroz colhidas no ano de 2009 e de 2010, tal como se pode verificar nos Gráficos 5 e 6.
- As não conformidades químicas foram encontradas em 4 amostras de bolachas no ano de 2011 e em 21 amostras de bolachas no ano de 2012, tal como se pode verificar nos Gráficos 5 e 6. Estas não conformidades foram devido à utilização de um edulcorante cuja incorporação não se encontra autorizada para os géneros alimentícios em causa (bolachas).
Um produto ao não ter os
requisitos necessários e ao não cumprir as normas e princípios exigidos pela
legislação europeia, pode pôr em risco a saúde dos consumidores, trazendo
outros problemas adicionais que afetam, indiretamente, os operadores económicos
e todos os intervenientes na cadeia alimentar desse produto. A segurança dos alimentos, saúde e bem-estar
humano e dos animais e também a fitossanidade são uma das prioridades da União
Europeia (UE). Essa prioridade é garantida através de medidas coerentes
"desde a exploração agrícola até à mesa" e de uma vigilância
adequada, assegurando simultaneamente o funcionamento efetivo do mercado
interno.
Fig. 4 - Fungo Aspergillus flavus associado à produção de aflatoxinas B1, B2, G1 e G2 |
No início dos anos 60, a
doença X dos perus fez despertar a atenção para o problema das micotoxinas e
para as suas implicações na saúde, quando a doença vitimou milhares de perus na
Inglaterra. As micotoxinas são metabolitos secundários tóxicos produzidos por
diferentes tipos de fungos filamentosos, sendo os principais pertencentes aos
géneros Aspergillus, Fusarium e Penicillium, que se encontram
difundidos em qualquer parte do mundo, tanto no ar como no solo, infestando
plantas vivas e mortas e também animais que se alimentam de plantas
contaminadas. A contaminação humana com
aflatoxinas resulta diretamente da exposição a alimentos contaminados, ou
indiretamente quando proveniente do consumo de leite de animais contaminados
pela sua alimentação. Estes compostos são altamente tóxicos, mutagénicos,
teratogénicos e carcinogénicos que têm sido considerados como agentes causadores
de carcinogéneses hepáticas e extra-hepáticas em humanos.
Os piores efeitos que as micotoxinas podem causar no Homem estão essencialmente
associados a toxicidade crónica, pelo que se torna difícil associá-los ao
consumo de alimentos contaminados. Os principais sintomas que normalmente se
associam são a indução de carcinogénese, depressão do sistema imunitário e
lesões a nível do sistema renal, sistema nervoso e endócrino.
Fig. 5 - Plantação de arroz |
A presença de micotoxinas em cereais é uma questão que preocupa as
autoridades de higiene e segurança alimentar a nível internacional. No caso
concreto da cultura do arroz, principalmente o arroz Basmati proveniente
maioritariamente do Paquistão e da Índia, a presença de aflatoxinas tem sido
detetada em vários mercados europeus, através da rede de alerta rápido RASFF,
apresentando níveis muito superiores aos limites máximos admissíveis na União
Europeia – Regulamento (CE) nº 1881/2006. Os valores mais frequentemente
encontrados para o arroz situam-se entre 5 e 10 μg/kg e os valores mais elevados são superiores a 50
μg/kg. Os principais meses em que ocorrem notificações
pelo RASFF por aflatoxinas correspondem aos meses em que ocorrem as monções na
Ásia, o que está de acordo com o facto de as micotoxinas serem produzidas por
fungos que se desenvolvem mais quando existe humidade relativa elevada. O
Paquistão é o principal país de origem do arroz com maior número de
notificações devido à presença de aflatoxinas, seguido da Índia e Sri Lanka.
Cerca de 50% dos casos ocorrem nos produtos arroz Basmati e Basmati integral
que é um tipo de arroz que precisa de envelhecimento para adquirir as suas
características aromáticas, podendo nessa fase vir a desenvolver micotoxinas,
uma vez que as condições climáticas dos países em que se produzem são propícias
ao desenvolvimento de fungos. Na maioria dos casos em que foi detetada a
presença de aflatoxinas em arroz, a importação ou não foi autorizada, ou o
produto foi retirado do mercado, como forma de salvaguardar a saúde do
consumidor. Também quanto à distribuição do produto, as medidas mais tomadas
foram a interdição à distribuição ou a restrição ao país notificado.
A existência de uma grande
incoerência dos limites máximos admissíveis a nível mundial vem criar problemas
à comercialização de produtos; uma vez que sendo aceites num determinado país
podem não sê-lo noutro. Enquanto na União Europeia, o limite máximo admissível
(LMA) para aflatoxina (AFB1)
é 2 μg/kg e para AF totais é 4 μg/kg, nos Estados Unidos,
os valores permitidos são 20 μg/kg
para aflatoxinas totais. Já no caso da China, principal produtor e
exportador de arroz a nível mundial, o LMA para AFB1 no caso do arroz é de 20 μg/kg e não existe
regulamentação para AF totais. A Índia, principal exportador de
arroz Basmati, a seguir ao Paquistão apenas apresenta LMA para AF totais e esse
valor é de 30 μg/kg, enquanto
no Paquistão não existe mesmo regulamentação para aflatoxinas.
Fig. 6 - Estruturas químicas das aflatoxinas B1, B2, G1 e G2 |
Sendo o arroz um
produto de grande consumo em Portugal e particularmente no caso do arroz Basmati
que se popularizou nos últimos anos há que assegurar a sua segurança alimentar
e nomeadamente demonstrar que está isento de aflatoxinas. Em Portugal, a ASAE
está responsável pelo controlo oficial deste tipo de género alimentício no
âmbito o Plano Nacional de Colheita de Amostras (PNCA). Tal como representado
no Gráfico 6, foram colhidas amostras de arroz em 2009 e 2010 que foram
submetidas a ensaios para pesquisa de aflatoxinas. Felizmente, todos os
resultados vieram conformes com o estipulado pelo Regulamento (CE) nº
1881/2006.
Prevenção da contaminação de cereais por micotoxinas
A melhor forma de evitar a presença de micotoxinas
nos alimentos é a prevenção da contaminação da cultura ou do produto armazenado
com fungos toxigénicos, pois são estes os responsáveis pelo seu aparecimento. A
Comissão Codex Alimentarius (WHO-FAO)
estabeleceu em 2003 um Código
de boas práticas para prevenção e redução de contaminação de cereais por
micotoxinas, incluindo anexos sobre ocratoxina A, zearalenona, fumonisinas e
tricotecenos. Esse código devia ser aceite como um guia para
prevenir e controlar a contaminação por micotoxinas em cereais. Como aspeto fundamental,
o código salienta a necessidade de os produtores compreenderem e aceitarem a
importância das boas práticas agrícolas como ponto de partida contra a
contaminação por micotoxinas. Para tal, é necessário que as autoridades
nacionais tomem as seguintes medidas:
- dar formação aos produtores no sentido de estes terem em conta as condições ambientais e a maior predisposição para a contaminação por fungos toxigénicos;
- criar métodos mais rápidos e eficientes para deteção da presença de micotoxinas e planos de amostragem de fácil utilização no terreno;
- investir em pesquisa científica no sentido de desenvolver métodos e técnicas de prevenção da contaminação por fungos, tanto no campo, como no momento da colheita ou durante o armazenamento.
Devido à sua grande variedade de efeitos tóxicos e
também devido à sua elevada resistência ao calor, a presença de micotoxinas em
alimentos é considerado um problema de alto risco para a saúde pública e para
os animais.
Espero que a informação vos seja útil.
Até Breve!
Fontes:
- Relatório Final PNCA 2012
- Relatórios Finais PNCA 2009, 2010, 2011
- Presença deaflatoxinas em arroz e cereais importados na União Europeia - Revisãobibliográfica e análise de dados RASFF
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