sábado, 10 de maio de 2014

ANÁLISE DE RISCOS ALIMENTARES

Existem normas e princípios de segurança alimentar que permitem assegurar que os géneros alimentícios colocados no mercado são seguros e com qualidade, de forma a criar confiança tanto nos consumidores, que são o principal enfoque porque são aqueles que vão ingerir o produto final, como nos operadores económicos, na medida do fornecimento de matérias-primas certificadas, seguras e com elevada qualidade de modo a proteger a saúde dos consumidores.

Neste sentido, as medidas adotadas pelos Estados-Membros e pela Comunidade para regular os géneros alimentícios e os alimentos para animais devem geralmente basear-se numa análise dos riscos nas suas três componentes (avaliação, comunicação e gestão de riscos) que, em conformidade com o Regulamento (CE) nº 178/2002, constitui o sistema de organização oficial em vigor na União Europeia (UE) para garantir a segurança da cadeia alimentar, tendo sempre como objectivo um elevado nível de proteção da vida e da saúde humana.
Fig. 1 - Componentes da análise dos riscos




A avaliação de riscos alimentares permite que os Operadores do Setor Alimentar tomem as medidas necessárias para proteger a segurança e a saúde dos consumidores. Porém, o Regulamento (CE) nº 178/2002 reconhece que as decisões em matéria de gestão dos riscos não podem basear-se exclusivamente nas informações fornecidas pela avaliação dos riscos, pelo que devem ser tidos em conta outros fatores pertinentes, como fatores sociais, económicos, tradicionais, éticos e ambientais, assim como a viabilidade dos controlos.

Apesar do objetivo da avaliação de riscos consistir na prevenção dos riscos alimentares, sempre que não seja possível eliminar os riscos, estes devem ser diminuídos e o risco residual controlado.

Fig. 2 - Logotipo da EFSA (Autoridade Europeia
de Segurança Alimentar)
A avaliação dos riscos na Europa está centralizada na EFSA, havendo contudo outras instituições a nível dos EM que também se dedicam a estas questões, tais como a agência inglesa - Food Standards Agency (FSA), a agência francesa - Agence Nationale de Sécurité Sanitaire de L’Alimentation, de L’Environnement et du Travail (ANSES), a autoridade holandesa - Food and Consumer Product Safety Authority (VWA) ou o RIKILT - Institute of Food Safety uma importante instituição científica também holandesa e a instituição científica alemã de avaliação do risco – Federal Institute for Risk Assessment (BfR). Em Portugal, a ASAE é a entidade responsável pela análise dos riscos alimentares, em conformidade com a sua Lei Orgânica (Decreto-Lei nº 194/2012). 

Na UE, no âmbito da gestão dos riscos, desenvolveu-se o RASFF – que é uma ferramenta essencial para gerir incidentes e crises alimentares, permitindo estabelecer o panorama no que se refere às tendências dos perigos de segurança alimentar que afetam os consumidores europeus. Este sistema foi criado para permitir de um modo eficaz a troca de informação relativa aos riscos detetados em alimentação humana e animal e às medidas de resposta tomadas, possibilitando uma actuação mais rápida dos EM. O Relatório RASFF, anualmente publicado, que inclui o tratamento de dados relativos às notificações emitidas relativamente aos alimentos, aos perigos, país de origem envolvido, permite ter uma noção acerca dos perigos, respetivos alimentos, entre outros, que num espaço temporal poderão ser mais importantes, embora tenha que haver cuidado nas conclusões retiradas.

METODOLOGIA UTILIZADA PELA ASAE

Um estudo típico do perfil do risco dos alimentos deverá contemplar, entre outros, o estudo descritivo das seguintes fases ou etapas:
  • Compilação da informação acerca dos alimentos e eventuais perigos a eles associados. Riscos associados aos alimentos e respetivos consumos;
  • Informação relativa aos circuitos de produção e distribuição com referência aos pontos em que os consumidores poderão estar mais expostos aos diversos perigos ou ao modo como os perigos ocorrem na cadeia alimentar;
  • Identificação dos perigos a partir de fontes bibliográficas;
  • Exposição dos consumidores aos perigos - Teores de ocorrência, frequência e distribuição;
  • Incidência dos perigos em diferentes grupos da população;
  • Perceção dos consumidores em relação aos riscos;
  • Contexto Internacional.
  • Medidas de gestão dos riscos.

PERIGOS NA CADEIA ALIMENTAR

A cadeia alimentar é afetada por perigos constituídos por agentes biológicos, químicos ou físicos presentes nos géneros alimentícios ou alimentos para animais, ou uma condição desses agentes, com potencialidades para provocar um efeito nocivo para a saúde. Por outro lado, os riscos (R) são uma função de probabilidade (P) de um efeito nocivo para a saúde e da gravidade desse efeito, como consequência (C) de um perigo.

Fig. 3 - Tipos de perigos que podem ser detetados nos géneros alimentícios ou em alimentos para animais
A existência de perigos veiculados pelos alimentos é uma situação presente no nosso dia-a-dia e cada vez é dada maior importância às consequências nefastas destes perigos, devido às situações patológicas que podem causar. Em conformidade com o artigo 14º do Regulamento (CE) 178/2002 “não serão colocados no mercado quaisquer géneros alimentícios que não sejam seguros”.
  • PERIGOS BIOLÓGICOS – Apresentam o maior risco à inocuidade do alimento e englobam as bactérias, fungos, vírus, parasitas, priões e toxinas microbianas. Estima-se que cerca de 90% das doenças transmitidas por alimentos sejam provocadas por microrganismos. Estes podem-se encontrar em quase todos os alimentos, mas a sua transmissão resulta, na maioria dos casos, da utilização de metodologias erradas nas últimas etapas da sua confeção ou distribuição. A maior parte é destruída por processamentos térmicos e muitos podem ser controlados por práticas adequadas de armazenamento e manipulação, boas práticas de higiene e fabrico, controlo adequado do tempo e temperatura de confeção. No entanto, nem todos os agentes biológicos devem ser considerados como prejudiciais, importa distinguir entre agentes biológicos que causam alterações benéficas nos alimentos - como o caso das leveduras no fabrico de vinho, pão e cerveja (estes só são considerados um perigo quando a fase do processo onde estão inseridos esteja fora de controlo) - e agentes que podem causar um risco na saúde do consumidor (agentes patogénicos) e agentes que interferem na qualidade comercial e tecnológica do produto. 
Fig. 4 - "Limpar/Enxaguar, Separar, Cozinhar e Refrigerar"
Passos básicos para a prevenção de uma contaminação
cruzada e de uma eventual toxi-infeção alimentar













Fig. 5 - Bebidas energéticas - um
perigo emergente?
  • PERIGOS QUÍMICOS – São em regra os mais temidos pelos consumidores e são na sua maioria um conjunto de perigos de origem diversa, desde aqueles que se encontram associados às características das próprias matérias-primas e/ou como consequência de determinada operação, como os resíduos da produção, transformação, acondicionamento, transporte e conservação. Nestes incluem-se os contaminantes de origens industriais (dioxinas, metais pesados), as toxinas naturais (ex. cogumelos, peixes exóticos, marisco) e também os contaminantes resultantes do processamento alimentar, surgindo nos alimentos como subprodutos das diferentes tecnologias. Os perigos químicos podem também decorrer da adição voluntária de produtos usados nos processos de produção primária ou de transformação, tais como os aditivos alimentares (usados em concentrações excessivas), os resíduos de pesticidas, resíduos de medicamentos veterinários e também os materiais usados em contacto com os alimentos, que não sendo completamente inertes, podem ser possíveis fontes de migração de substâncias que se forem transferidas da embalagem para os alimentos poderão constituir um perigo para o consumidor, como é o caso dos ftalatos que têm sido detectados em óleos alimentares. Outros perigos que constituem um risco para a saúde pública são os metais pesados, substâncias naturais vegetais (ex. solanina da batata) e químicos criados pelo processo ou introduzidos no processo (ex. produtos de limpeza e desinfeção). Muitos destes compostos podem alcançar o organismo humano, sendo uma das vias de exposição mais importantes a via alimentar. Uma vez no ambiente, os contaminantes podem ser absorvidos por plantas ou animais da base da cadeia alimentar, que depois serão consumidos por animais dos níveis superiores da cadeia. Deste modo, os alimentos fazem parte do ambiente global susceptível de ser contaminado por agentes químicos de diferentes origens ou fontes.
  •  PERIGOS NUTRICIONAIS – Existe um número cada vez maior de alimentos rotulados e publicitados na Comunidade com alegações nutricionais e de saúde. Por forma a assegurar um elevado nível de protecção dos consumidores e a facilitar as suas escolhas, os produtos colocados no mercado, incluindo os que são importados, deverão ser seguros e devidamente rotulados. Um regime alimentar variado e equilibrado é uma condição indispensável para a manutenção da saúde e os produtos considerados individualmente têm uma importância relativa no contexto do regime alimentar geral.

  • PERIGOS FÍSICOS – Contrariamente às contaminações químicas e microbiológicas, as contaminações físicas são maioritariamente de fácil resolução, quer por parte dos operadores económicos, quer por parte do consumidor, já que normalmente são rapidamente identificáveis. No entanto, quando não são identificáveis e ingeridas com os géneros alimentícios, poderão traduzir-se numa série de complicações na saúde do consumidor, como perfurações ou cortes na boca e língua, danos nos dentes, engasgamento, entre outros. Estes perigos podem provir dos materiais de embalagem e acondicionamento das matérias-primas, de produtos em curso ou produtos acabados, equipamentos e utensílios, dos próprios manipuladores, da deficiente conservação e higiene de estruturas, equipamentos e outros materiais em contacto com os géneros alimentícios e também da inexistência ou ineficácia dos planos de higienização e controlo de pragas e dos procedimentos HACCP. Os perigos físicos mais frequentes são: vidros, madeiras, metais, pedras, materiais de revestimento ou isolamento, plásticos, objectos de uso pessoal, ossos e espinhas.


Tabela 1 - Exemplos de perigos de origem alimentar e potenciais doenças associadas



















AVALIAÇÃO DE RISCO NO GRUPO DO PESCADO – PRINCIPAIS PERIGOS ALIMENTARES


Ao consumo de produtos da pesca são atribuídos inúmeros benefícios nutricionais. Assim, estes produtos são ricos em proteínas de elevado valor biológico e lípidos constituídos por ácidos gordos polinsaturados da família omega-3, em particular os ácidos eicosapentaenoico (EPA) e docosahexaenoico (DHA), os quais se salienta a sua ação benéfica a nível cardiovascular e desenvolvimento fetal. O pescado é igualmente uma excelente fonte de algumas vitaminas, designadamente de A e D, e apresenta também uma enorme variedade de elementos minerais, nomeadamente de iodo (I) e selénio (Se), para além de ser um alimento de digestão fácil e de apresentar um baixo teor de colesterol.
Todavia, se o valor nutricional do peixe é indiscutível o mesmo já não se passa com o risco de exposição do consumidor a perigos que se podem acumular na parte edível do pescado. Dentro destes perigos encontram-se as toxinas que se acumulam no pescado; a contaminação microbiológica do pescado, que pode resultar da contaminação das águas ou do mau manuseamento e/ou conservação e, por último, os contaminantes químicos que se encontram nas águas, de forma natural ou como resultado da actividade antropogénica, e que podem ser transferidos e acumulados no pescado.

De acordo com a nova lei orgânica da ASAE (Decreto-Lei nº 194/2012), a “Área dos riscos na cadeia alimentar” na qual está inserida o Departamento de Riscos Alimentares e Laboratórios (DRAL) tem como uma das suas principais missões a avaliação e comunicação dos riscos na cadeia alimentar.

No âmbito do meu estágio que estou a desenvolver na ASAE no departamento acima referido, de acordo com o que foi referido na publicação referente às funções da minha área de formação, nomeadamente em Saúde Ambiental, e correlacionando com a área da segurança alimentar, o meu trabalho incide especificamente sobre os perigos associados ao consumo de pescado (principalmente os metais pesados). Trabalho este que se insere em duas das etapas da metodologia da avaliação dos riscos, nomeadamente com a identificação dos perigos associados ao consumo de pescado e respetiva caraterização desses mesmos perigos. Este trabalho assenta na compilação de todos os dados existentes relativamente às amostras de pescado colhidas no âmbito do Plano Nacional de Colheita de Amostras (PNCA), isto é, no controlo oficial do pescado.

Apesar de existirem muitos perigos associados aos géneros alimentícios, os perigos que serão referidos e identificados no âmbito do PNCA são somente os reconhecidos em diplomas legais e por isso passíveis, em caso de não conformidade, de enquadramento legal.

Contaminação microbiológica – Regulamento (CE) nº 2073/2005

O nível da contaminação microbiológica do pescado no momento da captura depende principalmente da qualidade bacteriológica da água em que o peixe é capturado, existindo vários fatores que influenciam a microflora presente no peixe, designadamente a temperatura da água, o conteúdo em sal, a proximidade das áreas de captura das habitações humanas, quantidade e origem da alimentação consumida pelo peixe e o método de captura. O tecido muscular comestível do peixe é normalmente estéril no momento da captura, encontrando-se as bactérias na pele, guelras e trato intestinal. A partir do momento em que são capturados, as barreiras naturais desvanecem, e a entrada dos microrganismos torna-se facilitada. Neste momento, o cumprimento de todos os requisitos de higiene é fundamental, uma vez que a contaminação bacteriana no pescado pode originar produtos da decomposição na parte edível, que não só são indesejáveis sob o ponto de vista sensorial como também podem provocar problemas de saúde.
   















 (Para +info consultar Parasites (CDC), Parasites in food (EFSA))




Contaminantes químicos – Regulamento (CE) nº 1881/2006


Atualmente, os ecossistemas aquáticos apresentam um grau de degradação acelerado. As marés negras, a poluição causada pela descarga de águas residuais, fertilizantes e pesticidas agrícolas arrastados pelas águas das chuvas, a deposição de resíduos industriais e radioativos, tornaram os mares e oceanos de determinadas zonas do globo, lixeiras a céu aberto, conduzindo ao colapso dos ecossistemas. A elevada resistência à degradação química, física e biológica de muitos destes contaminantes leva a que eles possam persistir no ambiente mesmo depois da proibição quer da sua utilização quer da sua descarga nos cursos de água. Estes compostos apresentam uma bioacumulação e biomagnificação elevadas. Por isso é que os níveis mais elevados são encontrados em tecidos adiposos de espécies animais do final da cadeia alimentar (ex. cavala, atum, salmão). A ingestão destes contaminantes através da alimentação, sobretudo do pescado, pode originar efeitos fisiológicos por vezes graves.







Cádmio e Chumbo

Aponta-se que a sua absorção nos adultos, a partir da dieta alimentar, ao nível gastrointestinal, se situa entre 3 a 8% no caso do Cd e de 5 a 15% no caso do Pb. Segundo um estudo efetuado na ASAE, os níveis médios destes elementos em espécies capturadas e/ou comercializadas em Portugal, como a sardinha, carapau, bacalhau e peixe-espada preto, encontram-se, de uma forma geral, abaixo dos 0,01 mg/kg e de 0,06 mg/kg, respectivamente para o Cd e Pb. Noutras partes edíveis do peixe, tal como o fígado, os níveis de Pb são da mesma ordem de grandeza que os encontrados no músculo mas os de Cd são mais elevados. No que respeita aos crustáceos, como e o caso da sapateira e lagostim, esses teores médios rondam os 0,10 e 0,05 mg/kg, respectivamente para o Cd e Pb. Em relação aos moluscos, cefalópodes e bivalves, o Pb e em particular o Cd apresentam valores superiores destes contaminantes quando comparados com os observados no peixe. As concentrações destes elementos nos moluscos refletem as existentes no ambiente aquático e, desta forma, são tao mais elevadas quanto a zona for mais poluída.

Mercúrio e Metilmercúrio

No que respeita ao Hg, nomeadamente a sua forma orgânica de metilmercúrio (meHg) que representa cerca de 90% do total de Hg no músculo do peixe, é aceite que a principal via de exposição a este composto é a alimentar, através do consumo de pescado. O meHg é um composto lipofílico facilmente absorvido (90 a 95%) ao nível gastrointestinal. A presença de teores elevados de Hg/meHg nos produtos da pesca pode explicar-se pelo fenómeno da biomagnificação. Deste modo, os organismos situados no topo da cadeia trófica apresentam níveis de meHg superiores nos seus tecidos em relação aos organismos que lhes servem de alimento. Assim, os níveis de Hg nestes produtos estão relacionados com diversos fatores como o habitat, a posição da espécie na cadeia trófica, idade e dieta alimentar. De fato, a concentração de Hg/meHg é, em regra, mais elevada em peixes carnívoros quando comparado com os herbívoros. Como exemplo, o peixe-espada preto apresenta valores superiores de Hg total (cerca de 0,60 mg/kg), quando comparado com a sardinha (cerca de 0,03 mg/kg). Entre os crustáceos, o lagostim apresenta valores na ordem dos 0,40 mg/kg, segundo o estudo efetuado na ASAE. É de salientar que o Se, um nutriente que é abundante nos peixes marinhos, parece ter um efeito na biodisponibilidade do mercúrio, sendo por isso associado a uma ação protectora contra os efeitos adversos provocados pelo meHg.


Dada esta problemática da presença de contaminantes nos produtos da pesca e a relevância do consumo destes produtos para a saúde, a quantificação de riscos associados a estes contaminantes torna-se essencial para se obter uma ideia mais precisa da importância do risco e poder equacionar e ponderar os riscos e benefícios associados ao seu consumo. Deste exercício podem ser obtidos os níveis recomendáveis de consumo de um dado produto da pesca.


Espero que a informação vos seja útil.

Próxima publicação: Projeto Alimento Seguro - Educação para a Saúde 


Até Breve!


Fontes:

  1. Riscos e Alimentos – Pescado 
  2. Riscos Biológicos / Riscos Químicos  
  3. Perfil de Risco dos Principais AlimentosConsumidos em Portugal 
  4. Normativo “Plano Nacional de Colheita de Amostras 2012”
  5. Sebenta “Toxicologia Ambiental” – Licenciatura em Saúde Ambiental, Instituto Politécnico de Beja
  6. Risk assessment in the fishing industry / FAO  
  7. Fish contaminants / FAO 
  8. Safety of fish and fish products / FAO 
  9. Avaliaçãode perigos microbiológicos em produtos da pesca importados – Posto de inspecçãofronteiriço do Porto de Lisboa 
  10. Avaliação da contaminação em metais pesadosno pescado: Análise da situação do pescado comercializado em Portugal e dosalertas emitidos pelo sistema RASFF (RapidAlert System for Food and Feed) 

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